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Resistência e superação: a trajetória de Alfredo Gui Ferreira na luta ambiental

Alfredo, aos 84 anos, em Porto Alegre

Foi em uma manhã de muito sol e clima ameno, bem diferente dos extremos que temos vivido na capital gaúcha, que o professor Alfredo nos recebeu em seu apartamento no bairro Petrópolis. É onde hoje, aos 84 anos, passa grande parte do seu tempo, com a esposa - a quem lindamente chama de “Benzinho”. De sua poltrona de estimação junto à janela que recebia a bonita luz de uma rua ainda bastante arborizada, ele contou histórias dos anos como pesquisador e também de sua participação na Agapan.


Nascido em Porto Alegre,  Alfredo Gui Ferreira viveu até seus 16 anos no bairro Medianeira com os pais e estudou no Grupo Escolar Venezuela e depois no Cruzeiro do Sul. A admiração pela natureza despertou em Alfredo durante os seus anos de ensino médio, quando uma aula apaixonante o contagiou para sempre. Mesmo afirmando nunca ter sido um aluno exemplar, conseguiu passar no vestibular da UFRGS na primeira tentativa e iniciou seus estudos em 1961. 


“Minha escolha pela Botânica foi influenciada pela experiência no cursinho pré-vestibular da faculdade, que era na UFRGS. Apesar de inicialmente querer seguir em Genética, acabei direcionado para a Botânica”, conta. 


O gosto pela docência o levou a se tornar professor, mas a sua sede por conhecimento o impulsionou para a pesquisa. A ligação de Alfredo com a UFRGS é tão forte que a criação do PPG coincidiu com um marco importante em sua carreira acadêmica: ele foi o primeiro aluno a concluir o mestrado. 


No entanto, para defender sua dissertação, teve que aguardar o reconhecimento do curso, que só aconteceu em 1970, com a Reforma Universitária. "Eu já tinha minha dissertação pronta e, assim que o MEC reconheceu o curso, fiz minha apresentação e me tornei mestre", lembra. Antes de concluir essa etapa, ele ajudava em aulas práticas na Universidade, mas seu verdadeiro desejo era se dedicar à pesquisa. "No departamento de Botânica, eu sabia que para progredir precisava me especializar, pois havia uma forte tendência no Brasil nesse sentido", revela.


Em 1968 e 1969, Alfredo se candidatou ao doutorado e partiu para a Inglaterra em busca de novos conhecimentos. Enquanto estava lá, encontrou tempo para compartilhar seu conhecimento ao publicar uma apostila sobre citologia de plantas, visando auxiliar no ensino da área. Apesar das responsabilidades como marido e futuro pai, enfrentou os desafios do período acadêmico no exterior, que durou cerca de dez meses. No entanto, a negativa do Governo Brasileiro sobre sua bolsa de estudos o levou a tomar a decisão de retornar ao Brasil, estabelecendo-se em São Paulo para continuar sua trajetória acadêmica e profissional.


“Apesar de ter sido aceito na Argentina, optei por ir para São Paulo, onde realizei meu mestrado na USP. Após ser aprovado no exame, iniciei o mestrado e logo em seguida dei início ao doutorado. Após concluir o doutorado, tornei-me professor auxiliar e logo fui promovido a um cargo acima na UFRGS. Defendi minha tese de doutorado em 1977, na área de botânica, mais especificamente sobre a Araucária angustifolia e suas sementes. Naquela época, já se discutia a importância da preservação da Araucária e a necessidade de replantio. Infelizmente, muitas áreas eram devastadas sem a devida preocupação”, salienta.


O desafio de conciliar a docência e o ambientalismo


Foi na UFRGS que Alfredo conheceu José Lutzenberger - com quem, mais tarde, fundaria a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).


“Na comunidade acadêmica, havia um consenso entre nós, professores especializados em botânica e biologia, de que algo precisava ser feito diante da grande destruição ambiental que estava ocorrendo. Muitos compartilhavam da opinião de que não poderíamos mais continuar nesse caminho. Foi então, por volta de 1970, que ‘surgiu’ Lutzenberger com um discurso apaixonado e altamente contestador. Sua maneira convincente e inflamada de se expressar me cativou profundamente. Foi assim que me envolvi nesse movimento, fazendo parte daqueles da área da biologia que defendiam a conservação do meio ambiente e propunham uma abordagem mais abrangente para a sociedade”, lembra.


Alfredo relata que naquele tempo já enfrentavam várias resistências, com indivíduos que se opunham e os chamavam de "eco-chatos" ou "loucos" por desafiarem interesses na mídia. Contudo, conseguiram conquistar adeptos e chamar a atenção de alguns jornalistas que os apoiavam. No entanto, lidar com a imprensa ainda era um desafio, já que muitas vezes ela estava alinhada com os grandes financiadores. 


“Posteriormente, conseguimos espaço em emissoras estatais aqui no Rio Grande do Sul, que nos deram cobertura. Realizamos apresentações e debates abertos, com a participação de Lúcio Severo. Embora não tão influentes como Farroupilha ou Rádio Gaúcha na época, essas oportunidades nos permitiram disseminar nossa mensagem de forma eficaz”.


Ele destaca que o caso da Borregar, em Guaíba, uma empresa norueguesa que se estabeleceu para a produção de celulose causando enorme poluição, trouxe grande visibilidade e importância para a causa ambiental no estado. Outras batalhas incluíam a poda ou remoção de árvores, como o caso em frente à faculdade de Direito, onde planejavam construir um viaduto. 


“As árvores estavam no caminho e precisavam ser removidas, diziam, mas um estudante decidiu subir em uma delas, seguido por outros colegas, impedindo assim o corte. A situação se tornou um grande tumulto, com a intervenção de militares e bombeiros. No final, conseguimos salvar as árvores e criar a Secretaria do Meio Ambiente, promovendo a preservação ambiental e o plantio de árvores”, conta.


“Em certo momento, nos anos 80, fui segundo-secretário da Agapan. Mais tarde, fui para São Paulo fazer meu doutorado e me desliguei da Agapan. Passei três anos dedicado ao doutorado e logo em seguida fui para os Estados Unidos. Houve um episódio marcante que poucos sabem, onde alguém me alertou sobre as dificuldades de obter auxílio para minhas pesquisas se continuasse frequentando certos grupos durante o período militar. Por isso, me afastei da Agapan. Assim, obtive uma bolsa do CNPQ que representava cerca de 20% do meu salário, o que facilitou muito, permitindo que eu participasse de congressos e apresentasse trabalhos”, conta com tristeza.


Com muito esforço e dedicação, Alfredo obteve seu diploma de doutorado em um período em que poucos o possuíam. Buscou experiências internacionais e realizou um pós-doutorado. “Durante minha estadia nos Estados Unidos, trabalhei com um renomado pesquisador chinês de Taiwan, que se tornou um grande amigo. Essa experiência foi enriquecedora e contribuiu significativamente para o meu crescimento profissional. Ao retornar ao Brasil, conquistei o cargo de professor titular, sendo o único candidato devido ao meu extenso currículo acadêmico”. 



Após se aposentar, em 2010, voltou a atuar ativamente na Associação, sendo eleito para presidir a entidade entre 2013 e 2015. 


“Nossos problemas não são novos”


Infelizmente, conforme Alfredo, algumas importantes conquistas ambientais estão sendo desfeitas no Rio Grande do Sul, com a destruição do que foi construído. “Parece que algumas lutas se repetem, principalmente quando uma pequena parte da sociedade, como o agronegócio, que tem influência estrangeira, busca lucro a qualquer custo, utilizando, por exemplo, pesticidas prejudiciais ao meio ambiente. É importante conscientizar sobre essas questões e buscar soluções para proteger nosso solo e recursos naturais”, ressalta.


Com um exemplar do Jornal Zero Hora em mãos, Alfredo comenta sobre a recente enchente, que fez surgir uma nova ilha no Guaíba. Ele busca por mapas antigos da cidade, publicados na imprensa, mostrando como era antes da inundação. “É importante notar que enfrentamos desafios constantes, como a extinção de órgãos ambientais. A sociedade se movimenta através de lutas e resistências, e é nesse cenário que encontramos esperança. Mesmo diante das adversidades, ainda acredito que um futuro melhor é possível. A esperança é como um fio de água que corre em meio às dificuldades, e é isso que nos mantém em movimento”, salienta.


E quando questionado sobre soluções para o futuro, ressalta a importância do engajamento da sociedade. “Quem fundou a Agapan já está em uma idade avançada para participar de manifestações. É essencial envolver mais jovens, essa é a minha convicção. As consequências do abuso da natureza estão se tornando cada vez mais evidentes, com impactos globais e mudanças climáticas alarmantes. A destruição na Amazônia afetou a regulação das chuvas no sul do Brasil, enquanto os oceanos estão se aquecendo e até mesmo tubarões foram encontrados com vestígios de cocaína, resultado provável do descarte de usuários insensíveis. É imperativo agir agora, antes que seja tarde demais”, afirma. 


Reitera que as eleições municipais deste ano terão um papel crucial na definição do caminho que iremos seguir daqui para frente. “As evidências são claras, o que está explícito. Não podemos seguir por um caminho equivocado. Houve um período em que tudo era negado, tudo era rotulado como fake news, distorcendo a verdade e criando uma falsa impressão, algo que Deus desejava que fosse transformado. Se desejam sobreviver e têm esperança de ter uma descendência, alguns já têm, devem lutar, pois estarão lutando por um futuro possível para eles. Talvez não seja possível recuperar muitas coisas. Portanto, devemos lutar enquanto ainda podemos”.


Para ele, atualmente, o cenário é de incertezas. “A situação que presenciamos agora é apenas um capítulo de uma série que se repetirá, possivelmente com mais intensidade e danos. Não tenho a mesma visão profética que Lutz tinha, mas é imperativo lutar para preservar o meio ambiente. Precisamos das plantas e dos animais, que são nossos companheiros e essenciais para um ambiente saudável”, diz.


O professor Alfredo, ou simplesmente Gui, como é conhecido pelos mais próximos da Agapan, continua participando do Conselho Superior da entidade. Presença constante nos eventos da Associação que ajudou a fundar, segue apoiando as atividades, sempre com a energia e o sorriso no rosto de quem tem esperança de um futuro melhor e o orgulho de ser um associado fundador em plena atividade. 


Por: Susiani Silva Guisolfi | Jornalista associada à Agapan


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