Pode até rimar, mas é plantando árvores que serão minimizados os efeitos climáticos, tanto das estiagens e calor, quando das enxurradas, que têm ocorrido de forma cada vez mais intensa.
Em época de emergência climática, a arborização urbana de Porto Alegre foi tema do Agapan Debate que aconteceu na noite da segunda-feira (29/04), no auditório da Faculdade de Arquitetura da Ufrgs. Foram painelistas o biólogo Flávio Barcelos Oliveira e o advogado Beto Moesch, falando sobre “Arborização Pública e a harmonia com os demais serviços públicos” e sobre "Arborização Urbana: crucial para o equilíbrio ecológico e combate às mudanças climáticas”. A mediação foi da bióloga, conselheira e ex-presidente da Agapan, Sandra Jussara Mendes Ribeiro.
“A arborização é um serviço público que deve estar em harmonia com os demais serviços públicos”, destacou Oliveira, ao homenagear a também bióloga Maria do Carmo Conceição Sanchotene, mentora do primeiro Plano Diretor de Arborização Urbana de Porto Alegre, o primeiro do Brasil, e primeira presidente da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (Sbau), da qual Oliveira é sócio fundador.
Para ele, que se diz “fã de área permeável viva”, a preservação do sistema radicular é fundamental para a defesa da fitossanidade do vegetal e sua estabilidade. “Temos que defender as árvores. Seja em parques ou em vias públicas, exóticas ou nativas, é preciso fazer a manutenção das árvores, com poda racional, e não radical, pois são elas que nos protegem de eventos extremos”, defende, ao lamentar que a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smam) da capital gaúcha tenha apenas duas equipes para avaliar e realizar podas.
“Quando me aposentei, depois de 42 anos trabalhando no Gerenciamento da Arborização Urbana da Prefeitura de Porto Alegre, a Smam tinha 16 equipes, apesar de, na sua criação, ter como indicação 50 equipes”, recorda o biólogo, ao afirmar que “o esvaziamento da Smam foi proposital, mas é preciso reestruturar a Secretaria, sem misturar a questão ambiental dos serviços urbanos”, sugere.
PLANTIOS X NEGLIGÊNCIA
“A arborização urbana é crucial para o combate à poluição e às mudanças climáticas e deve ser uma meta política, perpassando gestões”, afirma Moesch, ao defender preservar as árvores existentes e arborizar cada vez mais. O advogado e consultor em Direito Ambiental destaca que o desafio é cultural, pois as pessoas têm sido afastadas da natureza, considerando-a suja e perigosa. “Há resistência inclusive para entender que túneis verdes e ruas arborizadas podem ser consideradas matas e que, pela Lei Orgânica municipal, são patrimônio natural e devem ser preservadas”, observa.
Beto Moesch destaca o Artigo 225 da Constituição Federal de 1988, que diz: É dever constitucional proteger a arborização e arborizar cada vez mais. “Mas a maioria dos municípios brasileiros não é arborizada”, diz, ao citar, como exemplo de proteção e incentivo à arborização, inclusive com distribuição de mudas, as cidades de Fortaleza e Cuiabá. No RS, o município de Selbach é destaque em arborização, ao contrário de Tiradentes do Sul, cujo centro da cidade quase não tem árvores. Ele cita ainda Belo Horizonte, onde a energia elétrica é distribuída por cabos ecológicos, que não interferem na vegetação, podada de forma tênue, e que quase não causam desligamentos.
“Em Porto Alegre, a Lei 8.971, de 30 de julho de 2002, instituiu o uso obrigatório de redes ecológicas, mas não é política da CEEE, nem da anterior, nem da atual”, lamenta Moesch, ao destacar a ameaça das redes de telefonia. Ele defende que onde há rede elétrica devem ser plantadas árvores de grande porte, e poda deve ser acompanhada por um responsável técnico. Conforme o ex-secretário de Meio Ambiente de Porto Alegre, árvores grandes, com galhos maiores, facilitam a passagem dos cabos.
Ainda em Porto Alegre, ao citar os 72 logradouros com túneis verdes protegidos por Lei, Moesch homenageia Cesar Cardia, conselheiro da Agapan falecido recentemente, e cita a Rua Gonçalo de Carvalho, conhecida como a “rua mais bonita do mundo”. Com mais de cem árvores que formam um túnel verde, a Gonçalo de Carvalho é Patrimônio Ambiental de Porto Alegre. “O Cesar foi incansável defensor desta rua e pela sua luta presto essa homenagem”.
LEGISLATIVOS
Após as apresentações dos painelistas, a coordenação do Agapan Debate concedeu espaço para o deputado estadual Matheus Gomes apresentar projeto que institui no RS uma política estadual de arborização, que busca incentivar os corredores verdes, definir o mínimo de áreas verdes por habitante, promover o acesso à informação e a troca de experiências e práticas entre os municípios, ao invés de compensação por pagamento priorizar o replantio, e retomar a proibição de cortes/abates de espécies nativas. Os painelistas prontamente se colocaram à disposição para a construção dessa lei, em que a Agapan já vem contribuindo.
O presidente da Agapan, Heverton Lacerda, informou que a Câmara de Vereadores de Porto Alegre está criando um Grupo de Trabalho (GT) para discutir a crise climática e ambiental, e que a Agapan foi convidada pelo Ministério Público Federal do RS pra uma reunião sobre as podas drásticas realizadas em Porto Alegre.
A Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) protocolou ofício ao governador do RS, Eduardo Leite, e à Procuradoria Geral do Estado, alertando sobre a emergência climática pela qual o mundo está passando e que os reflexos estão e serão sentidos também no RS, com maior frequência e mais intensidade. “É preocupante o Governo do Estado aprovar a supressão em Áreas de Preservação Permanente, as APPs, não percebendo a crise climática que estamos vivendo, que não é apenas um evento climático. Estamos considerando a possibilidade de ingressar com uma Ação Civil Pública para cobrar a responsabilidade do Estado e do governador do RS por essa falta de ação”, finalizou Lacerda.
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Conforme explica o presidente da Agapan, Heverton Lacerda, a pauta das árvores acompanha a entidade desde o início da luta ambiental, nos anos 1970, quando Lutzenberger falava da importância da arborização nas cidades e dos cuidados com podas e planejamento urbano.
“Não há cidade saudável sem espaços ecológicos protegidos e bem cuidados. O meio ambiente é essa relação entre todos os seres, de todos os reinos, inclusive os humanos, que fazem parte da natureza. Não é ela e nós, somos nós juntos, uma coisa só, inseparável. Portanto, o cuidado que temos com o ambiente natural reflete diretamente em nós, que somos parte dessa natureza. Quando percebemos que para cuidar de nós mesmos precisamos cuidar do todo, adquirimos a consciência ecológica”, salienta.
Para Heverton, essa consciência está faltando nas pessoas, de modo geral. De acordo com ele os efeitos dessa carência se amplificam quando se trata de gestão pública. “Isso vem acontecendo em várias cidades. Temos nossa parcela de culpa nisso, pois não estamos conseguindo conversar com a população na intensidade necessária. Por isso, estamos realizando este Agapan Debate, que tem a cidade de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, como exemplo. Um exemplo negativo.”
Confira a gravação do Agapan Debate, em breve, no canal da Agapan no Youtube.
Agapan - Assessoria de Imprensa
Jornalista Adriane Bertoglio Rodrigues
Na mídia
'Como uma bola de neve'
Presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Apagan), Heverton Lacerda avalia que a recorrência de tragédias ambientais no estado é consequência de uma crise climática mundial e que não há uma solução a curto prazo para evitar novas enchentes.
— É preciso deixar o negacionismo de lado e perceber que as catástrofes estão ficando cada vez mais intensas. Como uma bola de neve que só cresce. A ciência em nível internacional vem apontando isso. O que se pode fazer no momento é verificar em cada cidade quais são os pontos mais frágeis e buscar medidas para contornar a crise — diz.
Lacerda afirma que, embora o Rio Grande do Sul seja precursor no Brasil na criação de entidades de defesa do meio ambiente, houve diminuição de áreas preservadas com a expansão do agronegócio, em especial da silvicultura.
— Com o desmantelamento do código ambiental do estado, cresce o desmatamento e as chuvas têm jogado terra para dentro de leitos dos rios. Isso faz com que eles transbordem e afetem moradias — aponta.
Entre 2013 e 2023, o Rio Grande do Sul foi o estado mais atingido por extremos climáticos no Brasil. Foram 2.758 decretações de situação de emergência e de estado de calamidade, segundo dados do Ministério de Integração e de Desenvolvimento Regional.
Tragédia anunciada
"O negacionismo precisa ser deixado de lado, já que as catástrofes estão ficando cada vez mais intensas", diz Heverton Lacerda, da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).
"Os atuais governos, tanto do estado quanto da prefeitura da capital e outras cidades do interior, estão sob comando de negacionistas climáticos. Isso fica exposto pelas políticas que eles encaminham”, declara Lacerda à DW.
Lacerda cita como exemplo um projeto de lei de autoria do deputado Alceu Moreira (MDB-RS), aprovado na Câmara dos Deputados em março último. A medida autoriza o corte de vegetação nativa não florestal – como Pampa, parte do Cerrado e do Pantanal. Na prática, mais de uma área equivalente aos estados do Rio Grande do Sul e Paraná de mata nativa podem sumir do mapa se a lei passar no Senado.
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