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A sociedade do espetáculo e o abobado da enchente

Nos anos 1960, o filósofo francês e cineasta Guy Debord (1931-1994) profetizava sobre nosso cenário atual com a teoria da Sociedade do Espetáculo. Alertava para a crescente confusão entre ficção e realidade, exacerbada pela globalização e  capitalismo financeiro, na interdependência entre acúmulo de capital e o acúmulo de imagens. Neste século criamos um fantasioso mundo de imagens, embriagados em uma vida que não nos pertence.

 

Debord abordava o poder das narrativas dominantes nas imagens disseminadas por grandes grupos midiáticos, hoje cada vez mais concentrados, que organizam de forma consciente o império da passividade moderna. Tempos em que o espectador opera apenas no jogo mediado pela internet, em que a interatividade traz uma falsa ideia de participação, tornando-o ainda mais vulnerável e influenciável.

 

E o abobado da enchente? Termo surgido no vocabulário popular durante as cheias de 1941, em Porto Alegre, a denominação é novamente familiar aos gaúchos. Nos encontramos mais uma vez prostrados diante dos últimos eventos climáticos no estado, que resultaram em perda de vidas, destruição de casas e empresas, abalando as atividades econômicas da região, com reflexos no restante do país.

 

Essa postura paralisada, alicerçada no cenário mundial de dominação midiática, deixa a população cada vez mais encurralada nesta sociedade do espetáculo. Na atualidade, as vozes dominantes não buscam esclarecer as ligações entre os eventos climáticos extremos e as condições ambientais, que vêm sendo deterioradas há décadas em nome dos grandes interesses econômicos.

 

Nunca os profissionais do espetáculo tiveram tanto poder, salientava Debord. Eles invadiram todas as fronteiras e conquistaram todos os domínios (arte, política, economia, vida cotidiana). Assim, estamos todos, na maioria, tão encantados em postar um recorte da nossa vida pessoal ou em reproduzir temas propagados pela grande mídia, que esquecemos de procurar compreender a realidade última.

 

Os abobados da enchente não sabem como gerenciar as questões climáticas,  sempre são pegos de "surpresa". Incrédulos, compartilham também a cegueira eleitoral, considerando o meio ambiente pauta exclusiva da esquerda. Nessa falsificação da vida como ela é, como cobrar das autoridades ações para prevenir e mitigar os efeitos danosos do ataque maciço a todo tipo de vida  e da perturbação do equilíbrio da natureza?

 

As eleições (em todas as esferas), entretanto, são uma grande oportunidade para selecionarmos candidatos comprometidos em defender a continuidade da vida no planeta. Também um momento ímpar para combatermos a desinformação e a fake news, que desacreditam as evidências científicas e as fontes confiáveis, resultando em mais destruição e apatia geral.

 

Entre selfies e disputas políticas polarizadas, os sobreviventes das enchentes não costumam buscar engajamento na luta pela preservação dos recursos naturais, que traz à tona verdades desconfortáveis sobre a adoção de certo estilo de vida. Por isso, é urgente que nossos representantes tenham capacidade de promover a educação ambiental da população, debatendo a gestão de resíduos e estimulando o consumo consciente e alimentos saudáveis. A vida deve estar em primeiro lugar.

 



Mariângela Ribeiro Machado, jornalista associada da Agapan

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